Da beira rio às cumeadas, a vida prospera, num ambiente em que já não se usam pesticidas, dando origem a um diverso “manto de retalhos”, de diferentes tons de verde, que sustentam o solo vivo.
O ar ameno que se sente vem do rio Douro – a inércia térmica das águas mantém a temperatura pouco variável, algo que é extremamente relevante para as vinhas do Margem.
É junto às ruínas de um antigo casario que ainda pertence à quinta, que escutamos aves como felosas, alvéolas, cotovias, piscos, calhandras, cias e melros, logo ao amanhecer.
No rio, vê-se um pequeno grupo de corvos marinhos e alguns patos a voar a partir das margens. Um experiente observador de aves conta rapidamente uma dúzia e meia de espécies.
Da casa, seguindo em direcção à adega e virando para cima, começamos a sentir a fragrância intensa de flor de laranjeira misturada com notas de alfazema e alecrim.
Subindo um pouco mais, descobrimos a zona Este das vinhas do Minas, aqui dispostas em patamares. Em toda a sua extensão vemos as culturas de cobertura, também conhecidas por enrelvamentos, assim como os muros de pedra e as sebes. Tudo isto parte da infraestrutura ecológica de suporte à biodiversidade que, por sua vez, aumenta a resiliência da vinha.
A Primavera é prolífica em vida e diversidade. Por todo o lado vemos variados tipos de insectos: borboletas, abelhas silvestres, besouros e joaninhas.
Junto a um mal-me-quer parece vermos uma abelha, mas ao nos aproximarmos percebemos que é apenas uma mosca, em quase tudo idêntica a uma vespa, mas nada perigosa. A este tipo de camuflagem chama-se mimetismo mulleriano (graças ao naturalista Fritz Muller, que o descreveu pela primeira vez) e ocorre quando uma espécie inofensiva se faz passar por uma espécie perigosa para enganar potenciais predadores e, desta forma, aumentar as suas probabilidades de sobrevivência.
Numa outra flor vemos, agora sim, uma abelha do mel que parece não se mexer. Foi caçada por uma aranha-caranguejo de cor amarela, perfeitamente escondida em plena vista no centro do mal-me-quer. A este tipo de mimetismo chamamos de agressivo, ou seja, o predador arranja uma forma de se camuflar e fundir com o meio onde está, de modo a que a presa de nada suspeite.
Ao subir para o ponto mais alto da quinta, entre os 262m e os 292m de altitude, chegamos à mais antiga vinha vertical do Douro, plantada em 1947. São as vinhas velhas do VV47 e reflectem muito daquilo que é a vida no Cima-Corgo. São vides sofridas, que exibem a dureza dos anos de Invernos rigorosos e Verões quentes e secos, que se sustentam no solo pobre e pedregoso das encostas do rio e reflectem a identidade do Douro.
A quase 300m de altitude consegue-se sentir um ar mais fresco e, olhando para o horizonte, a Oeste, vemos uma manta de nuvens escuras a aproximar-se. A temperatura desceu e o ar está nitidamente mais húmido e pesado. Não tarda começará a chover. A Primavera é assim, inquieta e instável, tem tanto de Verão como de Inverno.
“Cheira a chuva” e os gregos chamavam a esta forma de percepção de sensações que se cruzam de sinestesia. No caso do cheiro a terra molhada, a responsabilidade é dos milhões de microrganismos que vivem nos solos – bactérias e fungos que entram em actividade aos primeiros sinais de humidade, e que formam uma intrincada rede que liga as raízes das videiras às das restantes plantas das sebes e entrelinhas, e pode até chegar às manchas de bosques que rodeiam a quinta.
Descemos para a encosta curva de onde vem boa parte do Assobio. A orientação Norte-Oeste deste vale faz com que o vento Norte e Noroeste, dominantes nesta região, acelere em direcção ao Douro, especialmente ao fim da tarde, causando um efeito sonoro sibilante, como um assobio. É deste fenómeno que surge o nome do Assobio.
Mas não é só o vento que desce pela curva do assobio, também os milhafres, falcões, águias, andorinhas e andorinhões, entre vários outros, aproveitam estes movimentos das massas de ar entre colinas.
De um lado temos a vinha, mas do outro está uma grande mancha de matos e bosque. Por ali andam desde ratos do campo a coelhos, mas também javalis, raposas, esquilos, martas e genetas. Num território matizado por encostas e cumeadas mais silvestres, vinhas abertas e corredores ripícolas mais fechados.
O alto do monte a Oeste da Quinta dos Murças é o ponto perfeito para ver o Pôr-do-Sol. A chuva acabou por dar uma certa frescura à brisa de fim de tarde e a mistura de aromas é incrível. Sente-se o doce das flores silvestres e medronhais misturado com a resina dos pinheiros e os aromas térreos da madeira e vegetação rasteira. Curiosamente, algumas destas notas espelham-se nos oito terroirs da quinta, visto existir uma estreita relação entre solos vivos e variados em combinação com todas as variantes deste ecossistema de espécies e habitats, e com as castas e diferentes idades das vinhas de Murças.
Com o chegar da noite, os primeiros morcegos do crepúsculo vão chegando, à medida que a coruja do mato e o mocho galego chegam também para alterar a trilha sonora da paisagem.