Desintegrar para Integrar

Desintegrar para Integrar

A SKREI – Oficina de Arquitectura Integrada – surgiu em 2009, depois de dois dos seus fundadores – Francisco Adão da Fonseca e Pedro Jervell – terem embarcado numa expedição de duas semanas por Portugal em busca de matérias-primas. Mais do que simplesmente explorar oficinas de cerâmica, fornos de cal e saibreiras, empenharam-se em recolher e classificar amostras de materiais e em fazer exercícios de teste ao seu comportamento técnico e à sua expressão plástica. Daí surgiram peças mais expressivas, sem nenhuma função, que assumiram com objectos isolados e de inspiração para outros projectos. Apelidaram este acervo de “relicário”, e o mesmo tornou-se no inusitado ponto de partida para um projecto comum.

Francisco e Pedro conheceram-se cedo, ainda em miúdos, tendo ambos mais tarde enveredado pela arquitectura. No entanto, cada um se especializou numa área diferente: Pedro foi para a Architectural Association, em Inglaterra, onde teve contacto com uma vertente assumidamente experimental, enquanto Francisco optou pela Universidade de Delft, na Holanda, seguindo uma via mais tecnológica. Ainda estudantes, reencontraram-se e constataram que partilhavam visões e posturas semelhantes: os dois tinham aprendido a ir além das maquetes, construindo as suas próprias máquinas e acreditando na materialidade dos objectos, na transformação da matéria, na prototipagem e na produção em oficina.

Assim nasceu a SKREI: um grupo de trabalho multidisciplinar que vive da integração constante entre arquitectura, construção civil, produção artística, investigação aplicada de materiais e tecnologia. Em Portugal, tornou-se pioneira no conceito de arquitectura sustentável e, ao longo dos últimos 10 anos, tem estreitado relação com a Herdade do Esporão, revelando sempre grande respeito pela natureza e pela função de cada espaço.

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Na base de toda a criação está uma vontade incontrolável de perceber como funcionam as coisas. Para lá do entendimento teórico, na SKREI há o compromisso de extrapolar o simples desenho e de apontar o foco para um pormenor, um material, uma técnica ou uma ideia, destaca Pedro. E acrescenta queas maquetes começam por ser especulações de espaços mas não se esgotam apenas nisso“. E, nas palavras de Francisco, trata-se de uma forma de actuar na qual o processo tem uma grande importância, tanto na execução de maquetes, quanto no acto de construir em obra. O estar em obra” e participar da construção dá-nos um maior entendimento sobre os materiais, a gravidade, as ferramentas, os trabalhadores… – enfim, sobre tudo!. E é ao longo deste processo, que tem muito de empírico, de físico e até de visceral, que surgem, segundo os arquitectos, as maiores revelações e também os maiores estímulos para continuarem.

O corpo torna-se, assim, um instrumento para materialização das ideias, o teste de materiais e o cumprimento dos objectivos a que o grupo se propõe. E é deste diálogo entre corpo e matéria que surgem novos caminhos e os próprios horizontes se alargam muito para além das questões meramente estéticas e convencionais. Há um aprofundamento quer cultural, quer territorial – que envolve pessoas, indústria, tradições e paisagens – que torna mais identificáveis os materiais disponíveis em cada região onde decorre uma obra. Para nós, uma obra não é um evento fechado, com um início e fim palpáveis. Ela é feita de ligações entre pessoas e coisas que não estão no primeiro plano. Essas ligações existem antes da obra e persistem muito para além da obra.”

Mas, para chegarem a este processo, um outro teve que ocorrer – porque arriscar e quebrar limites não é algo que se faça do dia para a noite. Como em toda a história da SKREI, foi preciso muito estudo, muitos testes e pequenos ensaios para ganhar a confiança do próprio grupo de trabalho e, naturalmente, dos clientes. Como resultado, conseguiram, por exemplo, tornar real a construção de edifícios em BTC (blocos de terra compactada) e utilizar tijolos de cânhamo nos edifícios.

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Mas, afinal, em que consiste a arquitectura integrada? Não há margem para dúvidas de que se trata de um modelo cuja génese e inspiração vêm do passado. Envolve um regresso à manufactura, recorrendo a artistas, artesãos e construtores. Todos participam em cada momento na materialização de uma ideia. A obra é um caos organizado que avança a partir do diálogo entre intervenientes e entre estes intervenientes e os materiais. Estas ligações abrem terreno para “segundos planos de ligações” relacionados com o impacto último da arquitectura – isto é, o grupo encontra soluções que vêm responder a desafios como a produção energética, a subsistência alimentar, a preservação alimentar e das florestas ou o desenvolvimento da indústria. E, assim sendo, a própria arquitectura torna-se dialogante (e cooperante) com as demais esferas que a rodeiam. À luz deste conceito, há prazer em fazer, em ver acontecer e em identificar efeitos, sempre num ambiente de rede e de muito contacto interpessoal. Tal postura implica agregar os diferentes actores no mesmo espaço. No caso dos projectos da SKREI, este espaço pode ser: a obra, o atelier, a oficina, o armazém ou mesmo a carrinha de carga. Nestes locais cabem todo o tipo de máquinas, equipamentos e ferramentas que tornam possível a transformação idealizada.

A cada criação, a SKREI orgulha-se de enriquecer o seu “relicário” – uma base de dados que vai complementando e à qual recorre no dia-a-dia para manter o crescimento, à medida que a dota de mais técnicas, fornecedores, matérias-primas, linguagens, artistas, cientistas, investigadores, etc. Soma as suas conquistas, sem nunca a esquecer estas referências e numa dinâmica constante que inclui recriação e progresso.

Mantendo-se fiel à sua metodologia de trabalho, a SKREI partiu para o projecto Adega dos Lagares após ter levado a cabo uma minuciosa investigação. O solo, a história, a envolvência e os costumes locais foram cuidadosamente estudados. Além disso, a função do espaço prevaleceu, bem como o seu enquadramento em relação aos elementos naturais e à paisagem. Assim, em vez de apostar numa construção disruptiva e sem provas dadas em termos da funcionalidade do edifício, optou-se por uma construção com recurso à taipa, a técnica milenar usada nas adegas alentejanas, que garante a manutenção de níveis ajustados de temperatura e humidade. Esta é uma técnica morosa, que implica um grande esforço humano: junta-se água a uma terra argilosa (neste caso, obtida dos próprios solos da Herdade do Esporão) e bate-se tudo manualmente com um malho, após o que se recorre a taipais de madeira para a secagem total. E foi justamente esta necessidade de envolvimento do Homem que veio reforçar a escolha por esta opção, dada a coerência entre esta necessidade de trabalho manual e a intensa actividade humana que se desenrola num lagar durante o processo de vinificação. Algo que vale também a pena salientar é o facto de os tectos da adega serem revestidos com aduelas das barricas de vinho, o que cria um efeito ondulado que torna o espaço verdadeiramente acolhedor. Por último, outro aspecto tido em conta foi a ventilação e a iluminação do espaço: sem prejuízo das necessidades térmicas típicas de uma adega, foi prevista a existência de uma “janela” que permite a entrada controlada de elementos como o vento, a chuva ou o sol, com o objectivo de assegurar que quem está no interior não perde a noção da passagem do tempo.
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Efectivamente, não é complicado identificar-se no trabalho da SKREI esta dimensão temporal. A dupla é taxativa quando assume não aderir ao “cliché da perfeição” e considera a “intemporalidade sempre questionável“. Segundo os fundadores desta oficina, o facto de vivermos numa era de efemeridades, na qual os bens, as realidades e os próprios espaços se criam, consomem e desaparecem rapidamente, apenas torna mais claro o seu propósito de trabalhar tendo em vista “um resultado final representativo de uma temporalidade efémera, transformável“. Distanciam-se, assim, da ideia do perfeito e “acabado”, preferindo aceitar com naturalidade que nenhum edifício vai durar para sempre.

E é em linha com este pensamento que tem decorrido a relação da SKREI com a Herdade do Esporão. Inicialmente abordados para desenvolverem um projecto para um hotel, os arquitectos preferiram fazer um planeamento global do território do Esporão, por o entenderem como um “organismo vivo composto por órgãos operativos, desde as paisagens até às actividades“. Assim, ao longo dos últimos oito anos, têm reorganizado este território, subtraindo espaços e equipamentos que obstruíam a circulação e a comunicação entre “órgãos” e acrescentando novos espaços e equipamentos, com vista a uma melhor articulação entre o todo. Trata-se assim, e sem margem para dúvidas, de uma relação para durar.

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