13 de Novembro de 2008
Era cedo. Estava um nevoeiro bastante cerrado. Tinha há pouco passado uma indicação de Quinta dos Murças e estacionei na berma, junto da ruína de uma construção. A paisagem era a da vinha de outono, em tons avermelhados e de castanho vivo. O lugar era denso, as vinhas velhas denotavam algum abandono, mas a presença do rio conferia àquelas encostas uma poderosa dimensão telúrica. Fora este o primeiro contacto com a Quinta dos Murças.
8 de Setembro de 2009
Alguns meses depois regressava à Quinta. Decorriam trabalhos em quase toda a sua extensão. Movimentos de terras para a preparação de vinhas novas, consolidação do escoamento de linhas de água e o arranjo de muros. Os muros eram erguidos pelos processos tradicionais, secularmente usados no Douro. Pedra sobre pedra, algumas de impressionantes dimensões. Era o regresso ao uso do xisto da região e a recusa do emprego do betão para evitar a descaracterização do lugar e preservar a sua memória.
9 de Março de 2010
Mais uns meses passados e agora, na Primavera, era tempo de plantar as novas vinhas. O solo recebera as chuvas do Inverno e as temperaturas já estavam a subir. Trabalhadores povoavam os planos inclinados sobre o Douro. Talvez não fosse difícil imaginar uma paisagem que, lentamente, da terra se ergueria em manto verde. A expectativa ali ficava, sobre uma paisagem em transformação.
14 de Setembro de 2011
Os espaços de produção da Quinta já estavam recuperados. Nas primeiras visitas notava-se um envelhecimento descuidado das estruturas construídas e dos solos. Agora, como no exterior, também estes espaços interiores estavam a ser transformados com o mesmo desenho cuidado, na arquitectura e nos vários elementos que integravam o complexo da Quinta. Aquele território era delicadamente redesenhado como um todo.
24 de Setembro de 2012
Desde 2007 que fotografava a Herdade do Esporão, no Alentejo, perto de Reguengos de Monsaraz. O que sempre notara fora o invulgar acolhimento de todas as pessoas que ali trabalhavam. As tarefas tradicionais, como a pisa a pé, estavam a ser recuperadas, assim o exigia o desejo de fazer vinhos distintos, evocativos da memória duriense, de séculos de história continuada. Paisagem, população, vinho, como se tudo isto fosse uma e a mesma coisa. Para em qualquer lugar do mundo podermos beber o espírito de uma paisagem, mesmo por quem, distante, não a pode imaginar.
26 de Abril de 2016
Apesar de a área da Quinta dos Murças não ser muito extensa existem terrenos com diferentes exposições que darão, posteriormente, origem a diferentes vinhos, cada um deles com características próprias. Mas este solo guarda outros segredos, como as minas que se escondem nas suas encostas. São aberturas que nos levam ao interior da terra, são pontos de água que, no passado, tiveram uma importância que hoje perderam, mas que continuam a desenhar este labirinto de pontos de interesse ocultos a um olhar mais descuidado.
27 de Setembro de 2016
Fim do Verão, tempo de vindimas. Olhamos ao redor e vemos uma predominância de campos cor de terra, intercalados com os mortórios durienses, ou com zonas de mato que nunca chegaram a ser plantadas. Mas o solo a nossos pés está coberto de uma vegetação rasteira, de ervas “daninhas” que conferem à terra uma matriz viva. As vinhas erguem-se da terra viva, como se de um jardim se tratasse. Um manto verde atravessado por linhas desenhadas de oliveiras. Quando navegamos no rio e olhamos ao redor, percebemos melhor esta paisagem de silêncio.