O tacto diz-nos que tem o calor ligeiramente rugoso da lã das mantas de Reguengos de Monsaraz, tem a porosidade irregular das peças de barro erguidas nas rodas das olarias, tem o relevo fresco das paredes, caiadas ano após ano, com cal branca.
A mais recente homenagem de Monte Velho é às mantas de Reguengos, ao barro e à cal, elementos que pintam a paisagem alentejana, ao mesmo tempo que contam a história das tradições e dos artesãos que vivem dentro delas. Esta analogia telúrica iniciou-se em 2016, quando as mantas tradicionais de Reguengos de Monsaraz “saltaram” dos teares para os rótulos e comunicação de Monte Velho. Estas mantas de padrões intrincados têm uma longa trama para nos contar, a começar pelas ovelhas. A lã de Merino, autóctone de Portugal, possui uma qualidade ímpar, com características reconhecidas no mundo inteiro. É inspirador ouvir pela boca de Mizette Nielsen a história de como ajudou a salvar esta arte, no distante ano de 1976.
«Eu recuperei esta fábrica para continuar uma tradição tão importante, com uma grande história e que faz parte desta cultura alentejana.»
As centenárias mantas alentejanas começaram por proteger os pastores do frio, fosse no pasto ou em casa, mas hoje são essencialmente decorativas e um símbolo fundamental do Alentejo.
A comunicação de Monte Velho alarga agora a sua homenagem ao barro e à cal. Quanto à assinatura de marca mantém-se “O Alentejo”. A olaria de produção artesanal é uma arte feita de terra e fogo que, graças às mãos hábeis do oleiro-rodista, dá origem a talhas e telhas, cântaros e alguidares, pratos e púcaros, louça tosca e vidrada. Cada peça de barro que sai dos fornos herda saberes greco-romanos, árabes e de povos que remontam até 12 mil anos atrás, no neolítico, período em que surgiram três invenções que nos permitem estar aqui: a agricultura, a cerâmica e a escrita.
Um dos principais centros oleiros do Alentejo é São Pedro do Corval, reconhecido pela qualidade dos depósitos de argilas e pela diversidade de artesãos. Foi aqui que falámos com Egídio Santos, aficcionado por barro desde criança e representante da quinta geração à frente do negócio familiar, resistindo aos plásticos, aos moldes e ao tempo.
«Com a roda pode-se ser mais criativo e não existem peças iguais. Existe espaço para o erro que, muitas vezes, faz com que as peças sejam únicas.»
Noutro ponto do Alentejo, na Vidigueira, encontrámos o talheiro António Rocha, um dos poucos oleiros especializados em talhas, os gigantes potes (cerca de 2 mil litros) que os romanos usavam para a vinificação e os saudosistas guardam para decoração.
Em Casas Novas de Mares estivemos à fala com Felismina Ramalho, pintora sazonal, de pincel em riste, que nos deu uma mini-oficina sobre a arte de caiar paredes.
«A cal vem em pedra e derrete-se numa bilha em água fria. Vai-se pondo pedra por pedra, porque ela vai ferver muito e depois queima. Mexe-se para a cal ficar bem derretida. Depois de derretida, guarda-se durante 3 semanas antes de pintar. Até convém a cal estar derretida de um ano para o outro.»
A cal branca pinta o horizonte alentejano, é a pele da parede, é um ritual de gestos imemoriais realizado em família. A cal, cozinhada em fornos característicos, é uma alegoria de renovação que, ao ser lançada junto das portas atrai dinheiro para as casas, pelo menos essa era a crença dos alentejanos da Idade Média.
Tal como as mãos que tecem, moldam e pintam, também as mãos que vinificam
Monte Velho respeitam a tradição alentejana. Fomos beber à diversidade de castas autóctones, originárias dos quatro cantos do Alentejo, e inspirámo-nos nas técnicas de vinificação da região para fazermos um vinho que só podia ser daqui: com aromas ricos, paladar suave e amigo dos bons pratos.
No entanto, há 26 anos que o eterno desafio de criar um vinho melhor nos impede de ter duas colheitas exactamente iguais. Parece um paradoxo mas, para manter a consistência de Monte Velho, um ex-líbris que todos os dias é bebido em mais de 50 países, é impossível não inovar. É graças a esta insatisfação saudável que já produzimos totalmente em modo de produção integrada, o pequeno passo antes da produção com certificação biológica.
Se fecharmos os olhos (como que para apreciar um bom copo de vinho) sentimos o Alentejo no calor das matérias-primas que a terra dá, nas porosidades irregulares das mãos dos artífices e na frescura de saber que até a tradição precisa de inovação.